Enquanto o número de marcas globais diminui, aqui no Brasil a frota cresce muito, gerando falta de motoristas qualificados. Atrair e formar novos profissionais é o grande desafio.
Sérgio Gomes (*)
Após um período de fusões e aquisições entre grandes marcas em diversas partes do mundo, nas últimas décadas, o mercado mundial de caminhões do futuro será formado por um grupo menor de fabricantes. As projeções mais recentes indicam que dentro de quinze anos restarão aproximadamente seis grandes fabricantes globais de caminhões, além de outras montadoras de países emergentes, como Índia, China e Rússia, com grandes volumes de produção mas que não comercializam seus produtos na Europa nem nos Estados Unidos.
Com gestão global e plantas atendendo demandas regionais e locais, estes grandes fabricantes possuem poder investidor e flexibilidade para acompanhar a velocidade da evolução tecnológica e seus desdobramentos no setor de transporte.
A busca por fontes de energia alternativas e níveis de segurança cada vez mais rigorosos deve favorecer o crescimento daqueles que apresentarem as soluções mais adequadas e economicamente mais eficazes, além de ambientalmente sustentáveis. Até o momento, a tendência aponta para plataformas globais com tecnologia híbrida.
Em termos de fontes de combustíveis, as soluções tendem a ser regionalizadas, com veículos híbridos usando diferentes tipos de combustíveis de acordo com a disponibilidade da região em que vão operar. Assim, será possível ver caminhões movidos a GNL (Gás Natural Liquefeito), hibrido diesel & elétrico, etanol, metanol e DME entre outros.
O emprego da tecnologia, especialmente a telemática, a conectividade com recursos voltados para a mobilidade tende a aumentar, também nos caminhões, seja para proporcionar níveis cada vez maiores de segurança, com recursos de segurança passiva e ativa combinados, seja para aprimorar processos de logística.
A tecnologia e a logística, por sinal, ajudarão a encontrar as soluções para o atual problema da falta de motoristas profissionais para o transporte rodoviário de cargas. A telemática, a tecnologia da mobilidade, a IOT (Internet Of the Things), e o aprimoramento da gestão e da logística no transporte poderão otimizar a operação e reduzir custos e impacto ambiental.
Em diversas partes do mundo vem acontecendo experimentos com comboios de caminhões autocontrolados seguindo um veículo líder cuja condução é supervisionada por um motorista humano. Há também os comboios autônomos e por aí vão as novas e inovadoras experiências.
Mas é importante deixar claro que isto não significa que a profissão de motorista de caminhão vai desaparecer. Ao contrário, deverá ser parte da evolução e da solução para o transporte do futuro. A multiplicidade de opções deverá ser a solução. Os volumes de bens a serem transportados vão continuar aumentando. Os investimentos em infraestrutura rodoviária são vultuosos e os resultados demorados. Assim, é mais fácil mudar a tecnologia dos veículos e a logística do que mudar a infraestrutura. Mas a infraestrutura também deverá evoluir para acompanhar as mudanças nos produtos e na logística.
É preciso visualizar um cenário otimista. Em muitos casos, o motorista assumirá novos papéis, deixando de ser apenas condutor para ser também representante da empresa em que atua. Não vai precisar passar muitos dias fora de casa: a gestão logística proporcionará horários de trabalho mais normais, adequados a uma rotina que permita dedicar tempo à família e aos estudos.
O trânsito estará mais seguro como resultado de um processo de solução coletiva, do aprimoramento e aplicação das leis e do emprego da tecnologia, entre outras medidas. O mesmo deve ocorrer com os roubos de carga, que diminuirão na mesma proporção em que conseguiremos conseguir reduzir a criminalidade de modo geral.
A atual falta de motoristas é, em parte, resultado da forte expansão ocorrida no mercado brasileiro de caminhões, no passado recente: esse mercado cresceu 350% em dez anos. Além disso, tudo mudou, inclusive a tecnologia e a logística, e os motoristas precisam ser mais qualificados, mesmo para exercerem a profissão como autônomos. E, com isso, a oferta de mão de obra qualificada para o setor não consegue acompanhar a demanda.
Não podemos negar problemas como roubos de cargas, acidentes de trânsito e outros fatores desmotivadores. Mas sabemos que a solução não depende apenas de um mas de todos os atores desta cadeia que é bastante vasta: além dos embarcadores, dos operadores, dos transportadores, dos gestores da infraestrutura, do governo, dos motoristas, há um componente importante de aprendizado/educação que acontece em todos os níveis e também se reflete nos motoristas.
Níveis cada vez melhores de capacitação e aprimoramento contínuo são exigidos ou desejáveis em praticamente todos os ramos de atividade. E não será diferente com os motoristas.
Campanhas voltadas para a valorização do motorista de caminhão proporcionadas por montadoras tem sido mais frequentes, com viagens a vários países e mostrando como estão as atividades desse profissional e o transporte de cargas em geral. É um bom movimento de valorização desse profissional, que agrega experiência e motivação.
A breve convivência com os companheiros europeus, durante essas viagens, é um importante processo de troca de informações que contribui para mudanças culturais positivas no comportamento e na realidade dos motoristas profissionais brasileiros.
Esta nova campanha de valorização do motorista lançada pela Volvo, é iniciativa de uma montadora, mas as mudanças em curso acontecem com participação de todas as montadoras e de todos os atores da cadeia produtiva relacionada ao transporte rodoviário e ao motorista. Nova legislação para o motorista, novas necessidades para as empresas e para o mercado de transporte, para profissionais contratados e para autônomos. Os centros de treinamento e instrutores especializados multiplicam-se por todo o país, seja ao nível das montadoras, dos concessionários ou dos transportadores e seus sindicatos.
As soluções devem vir de forma coletiva, como resultado da combinação de ações da própria sociedade usando recursos de tecnologia, a legislação, a mobilização, a troca de informações, etc.. Desta forma conseguiremos reduzir os roubos de cargas, os acidentes de trânsito, e outros problemas relacionados ao transporte rodoviário. É um processo de amadurecimento pelo qual teremos que passar, como já passaram os mercados de caminhões da Europa e dos Estados Unidos.
Em resumo, as soluções são tão diversificadas quanto os problemas e dependem de todos. Com elas, a profissão de motorista deve ser mais atraente para reunir o contingente necessário de novos profissionais para suprir a demanda.
*Sérgio Gomes, sócio-diretor da SG Consulting, é um profissional com larga experiência na indústria automotiva e mercado de caminhões, com destaque na área de Estratégia e Desenvolvimento de Negócios